Conselhos Tutelares - Risco diminuído

Os Conselhos Tutelares podem ser grandes aliados da escola para combater situações de vulnerabilidade, como identificar focos de evasão e orientar como agir diante de casos de violência

Na cidade de Bauru, região central do Estado de São Paulo, a queda no rendimento escolar e o aumento nas taxas de evasão dos adolescentes que migravam para o perío­do noturno levaram a diretoria de ensino local a tomar uma decisão. Após reuniões entre o órgão e o Conselho Tutelar da cidade, ficou estabelecido que os jovens entre 14 e 16 anos só poderão se matricular à noite se comprovarem que têm um trabalho fixo. A possibilidade de arrumar um emprego, a frequência a grupos como a Guarda Mirim ou a matrícula em cursos profissionalizantes não são mais "desculpas" para as escolas aceitarem esses alunos à noite.

"A evasão tem sido um grande problema", diz Richelma Félix, vice-presidente do Conselho Tutelar 1 de Bauru - a cidade tem dois conselhos autônomos que atuam em áreas geográficas diferentes. "Queremos evitar que jovens de 14, 15 anos que eram bons alunos no período diurno passem a ter problemas no noturno. À noite há mais oferta de drogas, o pessoal cabula aula para ficar no shopping, está exposto a algumas situações que esse jovem ainda não tem maturidade para enfrentar", completa. Para isso, o Conselho também recorreu a conversas com responsáveis, por exemplo, por empresas de estágio ou que oferecem cursos, para permitir que os jovens continuem no período diurno.

O alinhamento entre ações tem a função de contribuir para que o trabalho do Conselho Tutelar seja de prevenção e orientação. "Queremos ter um papel profilático, prevenir incêndios e não apagá-los", compara Richelma. Instituídos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, os Conselhos Tutelares não têm a atribuição de reprimir ou de punir, mas sim de atender crianças e adolescentes em situação de risco e encaminhar casos e requisições à autoridade judiciária, ao Ministério Público e a órgãos provedores de serviços públicos, como secretarias de Saúde e Educação. A lei prevê que cada município tenha pelo menos um Conselho, com cinco membros eleitos e remunerados para esse trabalho. Em Bauru, por exemplo, esse valor é de R$ 1.354,03 para uma jornada de 40 horas.

Apesar das definições claras de papéis na legislação, na prática nem sempre é nítido até que ponto a escola pode resolver problemas internamente ou quando deve acionar o Conselho. Para o educador Luciano Batiate, autor de livros sobre o tema e ex-conselheiro por dois mandatos no município de Ibiporã (PR), identificar esses limites é um dos "nós" da atuação do órgão. "O Conselho Tutelar não é o remédio para todos os males. A indisciplina, por exemplo, é própria da escola e deve ser tratada com medidas pedagógicas. Atender alunos indisciplinados não é papel do Conselho", afirma.

A questão é saber identificar o momento em que a indisciplina transcende o limite de transgressão passível de correção pedagógica e passa a ser crime. Para Batiate, algumas situações são mais claras: quando há agressão ou ameaça aos colegas ou professores, dano ao patrimônio, furto ou tráfico de drogas. Quando esses crimes são cometidos por crianças de até 12 anos, a escola deve acionar o Conselho Tutelar. A partir de 12 anos completos, a diretoria deve chamar a polícia. "Há um engano de que não existe lei para adolescentes, de que o ato infracional não tem consequências (para o jovem). Tem, sim, é só a escola saber aplicar o remédio certo", diz o educador.

Na opinião do promotor da Infância e Juventude Thales Cezar de Oliveira, de São Paulo, a escola deve se ater à atuação dentro dos limites pedagógicos. "É impossível haver uma situação de conflito entre a escola e o Conselho Tutelar, a não ser que estejam ultrapassando suas funções", ressalta. Enquanto o papel do Conselho é atender crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade sociopsicológica ou em situação de risco, cabe à escola promover a integração pela educação - e isso envolve levar os problemas às autoridades competentes. "Não se educa ignorando a prática de um fato criminoso", diz Oliveira.

Comportamento e sintoma

O trabalho conjunto entre escola e Conselho Tutelar também deve estar voltado para a observação de comportamentos que podem se manifestar como sintoma de uma situação mais grave que a criança ou adolescente esteja vivendo fora da escola. "Se o professor observa sinais de exploração, de violência doméstica ou de abuso sexual, o Conselho Tutelar deve ser acionado, mesmo se for apenas uma suspeita", diz Luciano Batiate. Com capacitação para os professores e encontros constantes para troca de informações, a escola se torna uma grande aliada para o trabalho dos órgãos de proteção à infância e juventude. "Com orientação, os professores conseguem identificar até mesmo se os casos de indisciplina são um pedido de socorro", afirma.

Em Ibotirama, cidade de 25 mil habitantes localizada no interior baiano, a parceria entre Conselho Tutelar, Secretaria Municipal de Educação e outros órgãos, como a Promotoria, a Polícia Militar e a Igreja, está sendo fundamental para combater um dos maiores problemas que atingem as crianças da região: a violência doméstica e a exploração. De acordo com o coordenador do Conselho Tutelar da cidade, Valdevino Leite Torres, a entidade procura fazer palestras nas escolas, faz reuniões com professores e oferece atendimento psicológico para as famílias envolvidas com problemas mais graves. "Com esse trabalho de prevenção e orientação, estamos conseguindo alcançar alguns objetivos, como diminuir a evasão. As escolas também têm denunciado quando a criança aparece com hematomas; já sabem como proceder", aponta.

A secretária de Educação de Ibotirama, Rosane Yamaguchi, conta que as parcerias já culminaram em um projeto específico para combate da evasão, em que fichas de controle apontam para os órgãos responsáveis aqueles alunos que estão deixando a escola abaixo da idade. Além de conter a debandada de jovens da sala de aula, outra característica da região é alvo de constante preocupação na cidade: pelo fato de Ibotirama estar localizada às margens de uma rodovia federal, os jovens estão mais vulneráveis a situações de aliciamento, exploração sexual e consumo e tráfico de drogas. Sem uma rede de trabalho que tenha início na relação entre professor e aluno, os direitos das crianças e adolescentes podem ser prejudicados. "Estamos tentando cumprir as garantias, mas temos de discutir caminhos e trabalhar a parceria (com a escola) sem querer fugir das responsabilidades", diz a secretária.

De fato, tanto para os educadores quanto para os conselheiros, estar ciente das responsabilidades e mesmo dos riscos do trabalho é condição fundamental para desenvolver uma ação integrada. Ação essa que, muitas vezes, pode esbarrar na falta de estrutura e de comprometimento. Para o promotor Thales Oliveira, pelo menos na capital paulista essa relação ainda é ineficiente: "todos sabemos que a sociedade brasileira não tem a infraestrutura necessária, mas quem não quer trabalhar nessas condições não deve nem se candidatar ao Conselho Tutelar". Por isso, ele defende um trabalho de prevenção dentro da escola antes que os casos cheguem à Justiça. "Quando a escola comunica um ato infracional, nós só atuamos se os educadores mostrarem que já agiram pedagogicamente", declara. Uma questão de remédio certo, na medida certa. (Gabriel Jareta)

Cobertura quase total

Atualmente, 98,3% dos municípios brasileiros mantêm em funcionamento um Conselho Tutelar, como previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo dados do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos, em 1999 esse índice era de 55%. Há uma recomendação extraoficial para que cidades de médio e grande porte tenham um Conselho para cada 200 mil habitantes, mas a legislação não estabelece critérios a esse respeito.

Fonte - Revista Escola Pública

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