O crack invadiu as manchetes dos jornais e as casas dos
brasileiros por conta de uma ação policial na região central de São Paulo, mas
há quem defenda medidas menos autoritárias e mais focadas em saúde pública para
enfrentar o problema do vício.
Conhecido por ser uma droga de efeito rápido e intenso, o crack surgiu em
meados dos anos 1980 e foi encontrado pela primeira vez no Brasil em 1989,
quando foi feita a primeira apreensão da droga por policiais. Ganhou
popularidade inicialmente entre as classes mais pobres, por conta de seu baixo
custo, mas se espalhou por todos os níveis sociais e hoje é considerado por
muitos uma epidemia mundial. No Brasil, o consumo da droga cresce a olhos
vistos. Não existem ainda dados concretos do número de usuários, mas o crack já
é a segunda maior causa de procura por atendimento nos centros especializados em
abuso de álcool e drogas do Sistema Único de Saúde (SUS) e, segundo uma pesquisa
da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), está presente em 98% das
cidades.
Para intensificar o combate a este quadro, o governo federal lançou em
dezembro um plano de enfrentamento ao crack, que contempla investimento de R$ 4
bilhões em ações que estão estruturadas em três eixos – cuidado, prevenção e
autoridade –, e serão desenvolvidas de forma integrada com Estados e municípios.
Entre estas ações está a criação de 308 consultórios de rua, com médicos
psicólogos e enfermeiros, que farão o busca ativa por dependentes e avaliarão em
seu atendimento se o usuário oferece risco à própria vida e precisa ser
internado contra a sua vontade. Prevista na lei desde 2001, a internação
involuntária, além de necessitar da aprovação de um médico, deve ser informada
dentro de 72 horas ao Ministério Público do Estado e é diferente da compulsória,
que depende de determinação da Justiça. Porém, esta medida, que é defendida pelo
Ministério da Saúde como uma ação de proteção e resguardo à vida, tem sido
bastante criticada por especialistas no tema.
Para a psicóloga e conselheira do Conselho Federal de Psicologia, Heloísa
Massanaro, a medida fere o direito de ir e vir do cidadão e não tem efeitos
efetivos no tratamento dos dependentes. “O profissional de saúde deve
estabelecer um diálogo e tentar obter a autorização para o tratamento, criando
uma empatia com o paciente. O que vemos acontecer quando falam em internação
involuntária é uma captura dos usuários, que muitas vezes estão com condições de
decidir, mas não lhes é dada essa oportunidade. Tira-se deles talvez o único
direito que eles ainda usufruem, que é o da liberdade de decisão sobre sua vida.
Não é porque a pessoa está em situação de rua que temos o direito de decidir por
ela. Se um doente terminal de câncer pode optar por não se tratar, o usuário de
drogas também pode”, comenta a psicóloga.
Segundo ela, além de ter seu direito cerceado, o dependente químico que é
internado contra a vontade tem poucas chances de êxito em seu tratamento. “É
fundamental que a pessoa que faz uso abusivo de álcool e drogas esteja envolvida
no cuidado com ela mesma. Se a taxamos de irresponsável ou incapaz de responder
por si, como podemos querer que ela participe? Dessa maneira não conseguimos a
parceria dela. É preciso estabelecer vínculos e isto só é possível com respeito.
Eu posso impedir que a pessoa use drogas, mas isto não significa que ela está
sendo tratada. Além disso, é de conhecimento de qualquer profissional que atua
com usuários de drogas que o número de recaídas é muito maior quando a
internação é involuntária”, diz Heloísa.
Seguindo a mesma linha de pensamento, o psiquiatra do Centro de Atenção
Psicossocial (CAPs) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Alexandre Sampaio,
acredita que é essencial que a busca por ajuda venha do viciado e que ela deve
acontecer de imediato. “As portas precisam estar abertas. A ajuda precisa ser de
fácil acesso, caso contrário, ele acaba desistindo. O certo é esperá-lo pedir
socorro e estar pronto para atendê-lo”, afirma o psiquiatra.
por Alice Marcondes, especial para a Envolverde - (Agência Envolverde)
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